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mas seguia sempre, como quem não errava ao acaso pelos campos, antes era guiado n’aquelle passeio por um intento, que tinha pressa de realisar.

Atravessou grande parte da aldeia, cortejado, cumprimentado e festejado por quantos encontrava pelos caminhos, ou ás portas e janellas das casas, nos campos e nos ribeiros.

Chegou emfim á casa, onde já dissemos morar o recoveiro Cancella e a sua filha Ermelinda.

Era evidentemente aquelle o termo proposto por Angelo ao passeio matinal, porque retardou o passo á medida que se approximava, e parou á porta da casa.

Achou-a fechada, mas não lhe causou isso embaraço.

Como quem estava habituado a vencer estes estorvos, sondou resolutamente o muro do quintal, construido de pedras soltas, e dispoz-se á escalada.

Com a agilidade e destreza proprias de quem passou na aldeia os primeiros annos da vida, o irmão de Magdalena trepou sem vacillar até o alto do muro, e n’um momento pousou os pés no chão do quintal.

Vendo-se dentro da fortaleza, olhou em redor com precaução e, com mais precaução ainda, se dirigiu para um bosquezito de laranjeiras, que era o logar de recreio do pequeno horto.

Foi motivo d’estas precauções o ter já avistado, por entre os troncos e a rama baixa das laranjeiras, um vulto que se lhe figurou conhecido.

Assim se foi approximando sem que o presentissem e, occulto por detraz de uma sebe de roseiras silvestres, poz-se á espreita.

Era Ermelinda a pessoa que estava no laranjal.

Sentada sobre o tronco partido de uma laranjeira velha, que mezes antes havia sido derrubada, a filha do Cancella e afilhada da familia Zé P’reira, tinha todas as faculdades applicadas á decifração dos hieroglificos caracteres de um pequeno papel manuscripto,