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voz trémula e quebrada pela idade, entoava em singela cantilena coplas como esta:

Ó infante suavissimo,
Vinde, vinde já ao mundo
Livrar-nos do captiveiro
D’este jazigo profundo.

E seguia-se um Padre-Nosso e uma Avé-Maria.

Angelo havia ao principio, com as suas travessuras, desordenado um pouco o andamento regular das rezas, mas D. Victoria tomou o heroico expediente de o expulsar do congresso, e tudo serenou.

Á sala, onde Henrique de Souzellas conversava com o conselheiro em assumptos, todos d’esta vez longe da politica, chegaram as surdas harmonias d’aquellas cantigas e rezas. Henrique mostrou curiosidade de saber o que era aquillo. O conselheiro, sorrindo, convidou-o a seguil-o para por si proprio se poder informar.

E, tomando por aposentos interiores, conseguiram ambos introducção na sala da novena justamente ao lado de D. Victoria e de D. Dorothéa, que, de embebidas que estavam nas suas orações, nem por elles deram.

O conselheiro e Henrique ajoelharam sisudamente ao lado d’aquellas boas senhoras, e quando após um dos Padre-Nossos, ditos por D. Dorothéa, se devia seguir a resposta do côro feminino, este emmudecido, com a chegada dos dois, a qual desafiára risos a custo suffocados, foi substituido por um dueto de vozes masculinas, que sobresaltaram primeiro, e escandalisaram depois ambas as sisudas senhoras.

O tumulto que o episodio produziu fez attrahir as creanças; D. Victoria teve muito que fazer, muito que reprehender o cunhado, muito que ralhar com os filhos e com o sobrinho, muito que carpir-se com D. Dorothéa, muito que recriminar os criados, rindo-se, bem a seu pesar, no meio de todas estas tarefas.