254

de mim um profundo desalento, comprimiu-se-me o coração de tristeza. Lembrei-me, com saudades, das arvores da minha aldeia, do meu pobre quarto, de minha mãe; e achei-me alli tão só, tão sem conforto nem amizades, que as lagrimas me vieram ferventes aos olhos. Ainda hoje não hesito em dizel-o, foi aquelle um dos mais amargos momentos da minha vida. Nós, quando adultos, esquecemos facilmente os martyrios da infancia, quando n’esta idade uma sensibilidade exaggerada tão dolorosos os faz. Foi então que se deu um facto que, na minha piedosa superstição de rapaz aldeão, quasi me pareceu de intervenção divina. Abriu-se a porta e entrou na sala uma creança, que eu não tinha ainda visto. Era uma menina pallida, de gesto affavel e angelico. Vestia toda de branco. Entrou e approximou-se do conselheiro, que jogava com uns amigos. O conselheiro, depois de beijal-a, não sei que lhe disse ao ouvido. Ella correu então a sala com a vista; viu-me e veio direita a mim.

— Não conhecias já da aldeia, Magdalena? — perguntou o herbanario.

— Não; minha mãe veio para aqui no anno em que, por morte da sua, Magdalena voltou a Lisboa. A affabilidade, a singeleza desaffectada com que me falou, causou-me um allivio ineffavel. Ainda hoje sinto como que os reflexos d’aquella suave impressão. Parecia-me ouvir a voz de minha mãe; tinha o timbre da sympathia. Encheu-se-me logo de confiança o coração. Com ella não senti mais aquelle acanhamento que me enleiava. Depois falava-me de coisas que eu sabia tão bem! Perguntava-me a respeito dos campos, das arvores, das abelhas, dos ninhos dos passaros, das flores, dos trabalhos do linho... interrogando-me e escutando-me com tanta deferencia e attenção, que me inspirava coragem, e julgo que me estava dando ares de mais importancia junto d’aquelles pequenos senhores e senhoras que, pouco a pouco, se fôram despojando dos seus