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sempre apreciadas e já aguardadas pelo publico, que as saúda com sinceras gargalhadas. D’estas a principal é evidentemente a que se passa entre um cidadão, de quem a sacra familia recebe gasalhado, e o criado do mesmo.

É uma scena de disputa domestica, cheia de allusões satyricas á classe dos criados de servir, a qual era sempre applaudida. O cidadão, depois de mostrar ao criado, de relogio em punho — anachronismo shakspeareano — a demora excessiva que elle tivera fóra de casa, diz para o auditorio:

Não se pode ter criados
Hoje em dia, n’esta vida,
Ou quem houver de os ter
Não lhes deve dar guarida.

N’este ponto do auto houve aquella tarde um pequeno, mas gracioso episodio.

D. Victoria, que achava esta a parte melhor pensada e mais conceituosa de toda a peça, de afinada que estava pelo seu modo de sentir, não pôde conter-se, que não exclamasse:

— Aquillo é que é uma verdade!

A espontaneidade da reflexão fez rir a familia do Mosteiro, riso que teve ecco em baixo, entre o povo, que enchia o pateo.

A scena comica prolonga-se, mandando o patrão distribuir pelo caixeiro o rapé ao auditorio; outra liberdade que produzia sempre o maior effeito.

O criado trazia uma enorme tabaqueira, um verdadeiro bahu, e offerecia pitadas ao publico, dizendo:

O meu amo, com ser rico,
Gosta d’estas patuscadas.
Nunca os senhores tiveram
As pitadas tão baratas.

Os risos e as galhofas desordenaram, segundo o costume, por muito tempo a regularidade do espectaculo.