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rompeu este quasi encantamento. Profundamente impressionado tambem por aquella scena, exprimiu n’um «bravo» todo o enthusiasmo que sentia. Foi o signal.

O silencio degenerou na maïs altisona ovação.

O Herodes esqueceu o papel que desempenhava, o caracter que tinha a sustentar, a logica da situação, e tomando nos braços musculosos o corpo debil e franzino da filha, levou-a em triumpho para a beira do palco; os outros actores disputavam-lh’a; do pateo estendiam-se centenas de braços para a receberem; das janellas do Mosteiro acenavam-lhe, victoriando-a, os lenços das senhoras; os homens applaudiam-a com palmas. Herodes parecia devorar a filha com beijos, afagal-a com lágrimas de enthusiasmo e de paixão; e Ermelinda foi de braços em braços, entre beijos e afagos, transportada do tablado para a sala do Mosteiro, onde não foi menos calorosa a recepção.

Do auto ninguem maïs se lembrou, e, apesar dos esforços do mestre Pertunhas, todos o deram por terminado alli e prescindiram de vêr as restantes scenas, com grande desgosto dos actores que entravam n’ellas.

O Herodes, ainda vestido de rei, andava como doido pelas salas do Mosteiro. Seria para rir aquelle enthusiasmo, se não fôsse bastante pathetico para commover.

—­Mas como foi isto, meu Deus? Como foi isto? Que milagre foi este? Ai que versos, Maria Santissima! Que versos! E como ella os dizia!—­exclamava elle, quasi convencido da milagrosa natureza da scena que vira.

Magdalena, chamando Angelo de lado, perguntou-lhe:

—­Foi Augusto que fez aquelles versos?

Angelo sorriu.

—­Por que me perguntas isso a mim?

—­Porque o deves saber.