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—­Então não crês no milagre?

—­Responde.

Angelo ia a responder, quando Henrique disse em voz alta para o conselheiro:

—­Se eu digo a v. ex.^a que o Bernardim existe.

—­Mas quem é?—­perguntou o conselheiro.

—­Não sei; porém posso afiançar a v. ex.^a que não são estes os primeiros vestigios que encontro d’elle. As paredes das capellas dos montés são as suas confidentes. Não está certa, prima Magdalena, de umas quadras sentimentaes, que lemos na ermida da Senhora da Saude?

—­Sim; recordo-me.

—­Não acha entre essas e as do auto analogia de estylo, que a levem a attribuil-as á mesma pessoa?

—­Estou pouco habituada a analysar estylos, primo.

—­Mas talvez este lhe seja habitual.

Magdalena fitou Henrique com um olhar de altivez, que o obrigou a accrescentar:

—­Por muito o vêr por ahi desperdiçado por paredes de capellas e ruinas, e nos troncos das arvores.

Ermelinda foi de uma discreção impenetravel. Quando lhe perguntavam quem lhe ensinára os versos, sorria, respondendo que não sabia, où que não podia dizel-o.

—­Apostemos que n’isto entra Angelo?—­disse o conselheiro.

O Herodes cada vez parecia maïs convencido de que fôra pura inspiração.

Henrique, aproveitando uma occasião em que estava proximo da morgadinha, disse-lhe ao ouvido:

—­Parece-me que ia pôr o dedo no rouxinol silvestre, que tão bem canta sem se mostrar.

—­Sim?

—­Não ha muitas noites que eu o vi vaguear n’estas immediações. Estás aves melancolicas amam as inspirações nocturnas.