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promessa feita a algum santo. Cavados na espessura das paredes havia uns pequenos cubiculos, que serviam de confessionarios. Ás portas d’estes nichos, munidas de um crivo de folha, adheriam, como as lapas nos rochedos, os vultos escuros das penitentes, fazendo para dentro a circumstanciada exposição dos peccados da semana, e recebendo de lá regras de bem viver, preceitos de devoção, ás vezes exaggerada e inspirada de certa moral de convenção, com que a ignorancia ou a má fé porfiam em falsificar os simples e luminosos dictames da moral, que a consciencia reconhece e que o Evangelho apregôa.

Ás vezes despegava d’aquelle crivo de peccados uma das confessadas; e exhausta de fôrças, abatida de animo, descrendo da misericordia divina, ia cair com desalento nos degraus do altar de Deus, que o fanatismo cego, senão hypocrita, lhe pintára inexoravel verdugo. Quando outra se não succedia a esta, via-se rodar nos gonzos a pequena porta d’estes cubiculos, e sair de lá um padre de batina, sócos e capote de cabeção, satisfeito de si, e revendo-se n’aquelles corpos prostrados, n’aquelles gemidos surdos, n’aquellas lagrimas humedecendo o pavimento do templo, tristes indicios de desalento moral, com que conseguira quebrantar os ingenuos espiritos que dirigia pela intimidação cruel.

De tudo isto vinha o aspecto sombrio e lugubre á igreja, que nem as luzes dos altares, nem as sanefas e cortinas de damasco, que com tanta arte dispuzera mestre Pertunhas, conseguiam dissipar.

Henrique estava sendo desagradavelmente impressionado por o que via.

Olhava com desgosto para aquelles signaes de um terror supersticioso, e sentia exacerbarem-se-lhe as prevenções que nutria contra o clero, cuja influencia moral, aliás justa e vantajosa, é cada vez mais diminuida por aquelles dos seus membros que pretendiam augmental-a por meios improprios