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Que te fizeram, filha? Ó Linda, tu não tens pena de mim? não chores!... Ou chora, chora, se te faz bem chorar; mas... fala, dize-me o que tens, dize-me por que choras, filha... Então?

E com voz trémula, com as mãos unidas e o susto no gesto, como no coração, o pobre homem quasi ajoelhava a implorar da filha a explicação d’aquelle doloroso mysterio.

Como ella não respondesse ainda, continuou o afflicto pae, cada vez mais commovido:

— Ai os presentimentos do meu coração! Não sei o que me dizia isto! Não sei! Meu Deus, meu Deus! E como te pareces com tua mãe n’aquelle dia em que... Nem quero imaginar... Ó filha, filha, não vês que me matas assim? Fala!

E beijava-a e afagava-a, e cobria-a de lagrimas ardentes, que mais lagrimas desafiavam á creança, sem que a fizessem falar.

Nos movimentos desordenados que fazia, o desgraçado parecia louco. Elle apertava as mãos da filha, levava-as aos labios, abraçava-a, tomava-a ao collo, pousava-a no chão; ora a attrahia a si, ora a afastava, sem saber o que fizesse, n’essa incoherencia de actos que produz um espirito inquieto.

Como para melhor examinar aquellas feições queridas, cujo abatimento e pallidez tanto o assustavam, afastou da fronte da creança, com as mãos trémulas, o lenço que lhe envolvia a cabeça; mas de repente retirou-as, soltando um grito medonho, ergueu-se e recuou com terror.

Depois, fitou a filha com olhar desvairado, e, sem pronunciar uma palavra, quasi que a arrastou para mais perto da luz, que entrava no corredor pela porta aberta do quintal; ahi, arrancou com impeto febril o lenço da cabeça de Ermelinda; um novo grito, mas d’esta vez rouco, abafado pela dor, cortado pelos soluços, saíu-lhe do seio, e elle, o desgraçado pae, desatou a chorar como uma creança.

É que aquelles formosos cabellos louros de Ermelinda,