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O herbanario foi sentar-se na encosta de um outeiro vizinho, d’onde se divisava toda a scena. Com a cabeça pousada na mão e o braço apoiado sobre o joelho, com voz commovida, dizia adeus a cada arvore, que d’alli via vacillar e cair, como se fôsse um amigo que o precedesse no tumulo. Parecia ter fugido para longe, para pelo menos não lhes ouvir o estertor da agonia.

Ao lado do velho estava Augusto.

Não era tambem sem tristeza que elle seguia os progressos da demolição.

Mais do que uma vez tentára arrancar o herbanario d’aquelle sitio. O velho, porém, resistiu; queria estar alli até vêr cair a ultima arvore.

Ao pinheiral d’onde assistia á scena, chegava em confusão o alarido dos trabalhadores, o rumor do manobrar dos instrumentos, e até o da quéda das arvores cortadas.

O herbanario sempre que via brilhar o machado sobre uma nova arvore, recordava sentidamente algum episodio do seu passado, a que ella estava ligada.

— Lá vae aquella faia! — dizia elle, com intensa melancolia — pobre velha! Era á tua sombra que meu pae me ensinava a ler! Encostava-se áquelle tronco sobre a grossa raiz que elle tem á flor da terra e pegando em mim ao collo, guiava-me nas primeiras lições! E viver eu para te vêr cair!

E, ao perceber-lhe balançar as sumidades, o velho fechou os olhos instinctivamente. Cêdo ouviu um estrondo... Quando os abriu, estava por terra a faia.

— Agora é a tua vez, pobre carvalho! — dizia algum tempo depois — muito queria minha mãe áquella arvore! Por suas mãos a plantou bem tenra. Nunca me sentei áquella sombra, que me não lembrasse da santa mulher! Parecia que eram vozes tuas, que m’a recordavam, infeliz! Barbaros! Olha com que desamor a decepam! Perdôa-me,