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meu velho amigo, mas bem vês que te não posso valer.

E o carvalho caíu.

— Eil-os agora comtigo, cerdeira. Mal adivinhavas tu, quando o anno passado te enfeitavas com aquellas cerejas escarlates, que tanto cubiçavam as creanças, que pela ultima vez o fazias!... Adeus, pobre amiga, adeus.

E caía a cerdeira tambem.

E caíam, uma após outra, todas as arvores do quintal, os limoeiros, as nogueiras, os salgueiros e toda a familia vegetal do velho Vicente, que sentia ir-se-lhe com ella a alma. Memorias de infancia, sonhos de juventude, e reminiscencias de velho, como aves invisiveis, occultas nas copas d’aquellas arvores, surgiam agora, espavoridas e desnorteadas, a procurar o refugio que não encontravam fóra dalli.

Por outro lado os delicados sentimentos do herbanario eram dolorosamente feridos, ao desmoronarem-se as paredes d’aquella pequena casa, onde elle envelhecêra e contava morrer, e ao patentear-se indiscretamente aos olhos irreverentes e curiosos do povo aquelle recatado asylo.

A demolição proseguia com ardor e actividade. Em pouco tempo, só restavam da casa os muros, meio derrocados; e, no quintal, a serra e o machado principiavam a exercer no tronco da ultima arvore a sua obra destruidora. Era o castanheiro da entrada, gigante de outro seculo, que desafiára os raios de muitos invernos successivos.

A exaltação do herbanario cresceu n’aquelle momento. Ergueu-se, pallido e trémulo, apoiou-se no hombro de Augusto, murmurando:

— Tambem o castanheiro! Já era arvore quando eu nasci! Como elles se encarniçam contra elle! Mas não te parece, Augusto, que não soffre muito o castanheiro?... Sabes? É que elle já não agradeceria a vida, porque tinha de viver assim desamparado