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risco de se malquistar por causa d’ella com gregos e troyanos.

Tudo isto se revelava ao espirito de Magdalena e tudo isto a consternava. O seu muito amor filial fazia-lhe achar no facto uma significação dolorosa e triste que só desillusões, como as de Henrique de Souzellas, velhas desillusões de sceptico impenitente, poderiam attenuar. O conselheiro expiava cruelmente o seu delicto.

A leviandade e doblez do homem politico pagava-a caro o homem de familia.

É que a moral é uma. O homem não pode dividir-se; os peccados sociaes de quem é virtuoso nos lares domesticos, pagam-se, expiam-se n’esses mesmos lares. Os filhos que creou e educou segundo os preceitos da honra e da virtude, serão mais tarde os seus proprios juizes, e que cruel julgamento para o coração de um pae! É justo que a patria peça contas dos crimes de familia e desconfie dos tribunos que não sabem ser paes, filhos, irmãos e esposos; é justo que a familia exija que se seja fiel á prática e ás crenças que se professam, e castigue, pelo menos com lagrimas, como as de Magdalena, as culpas do homem que julgou poder ter duas consciencias: uma para responder por os actos civicos, outra para os actos domesticos.

Henrique procurou minorar o effeito que esta leitura tinha produzido no animo da morgadinha por meio de algumas consolações, que uma indulgente moral, muito do uso da sociedade, lhe inspirava.

Percebeu porém, que, embora as manifestações do sentimento tivessem cessado já em Magdalena, não se lhe tinha ainda dissipado a profunda e penosa impressão que lhe ficára da leitura.

Como para fazer cessar aquelle genero de consolações, a que Henrique se julgava obrigado, e que a ella eram custosas de ouvir, Magdalena disse, em tom já apparentemente sereno: