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— Bem; visto que é necessario precavermo-nos, vejamos de quem e quaes as cautelas que temos a adoptar. Meu pae parece suspeitar de alguem, mas não se pronuncia claramente.

N’isto entrou na sala D. Victoria, carregada de roupa como para uma viagem aos pólos, e queixando-se do frio, cuja intensidade attribuia em grande parte aos criados, por se terem descuidado de accender logo de manhã os fogões da casa.

Quando D. Victoria foi informada do conteúdo da carta do seu cunhado, levantou um alarido desolador. Por sua vontade ordenava logo alli um interrogatorio e uma devassa geral a todos os criados da casa, aos quaes, segundo o costume, attribuia a culpa toda. Magdalena e Henrique tiveram muito que fazer para a convencerem da inutilidade e inconveniencia d’esse alvitre e para lhe mostrarem a necessidade de usar de toda a prudencia e dissimulação n’esta pesquisa.

— Aqui entre nós — dizia Henrique — vejamos em quem se pode, com plausibilidade, fazer recahir as suspeitas. O sr. conselheiro diz bem; um criado boçal pode roubar uma joia, subtrahir qualquer objecto de valor intrinseco; porém os ladrões de cartas como estas, são de outra especie e de intelligencia mais apurada. Ora entre a gente que frequenta o Mosteiro...

E parando subitamente, Henrique disse para D. Victoria, que olhava para elle com um gesto espantado:

— Porém, minha senhora, eu mesmo não me devo excluir da lista dos indiciados, e n’esse caso deixo v. ex.as livres para me instaurarem processo.

— Ora essa, primo Henrique! — exclamou D. Victoria. — Era o que faltava! Nada, nada; não se cance; não tem que vêr. Aquillo foram os criados.

Magdalena estava tão abatida de animo, que nem deu attenção a este episodio.

Henrique proseguiu: