126

—­E tem meios para isso?

—­Faço-lhe a justiça de acreditar que sim; creio que ainda não estará tão envilecido que receba com um sorriso cynico o insulto que lhe infligir...

—­É provavel que não risse, no caso que diz; mas tambem não falava, acredite. Ha, para interrogações d’essas, respostas maïs adequadas e discretas. Não tente; aconselho-o... Mas, valha-me Deus, quem lhe disse que eu não queria dar-lhe todas as explicações que souber? Sente-se, conversemos placidamente, que é a melhor maneira de vêr claro nas coisas. Não fuma?

Augusto, indignado com este frio sarcasmo, respondeu com vehemencia:

—­Está-me causando tedio e compaixão ao mesmo tempo, senhor. Deve ter já uma alma bem corrompida para me receber assim. Ainda quando eu fôsse um criminoso, se no seu caracter houvesse brio, dignidade e sentimento moral, devia a minha presença ser-lhe um espectáculo demasiado abjecto, para o não deixar sorrir, ainda que de sarcasmo; mas na incerteza em que está, em que deve estar por fôrça, a só ideia de que pode calumniar um homem innocente, devia bastar para lhe fazer sentir toda a gravidade d’esta entrevista e obrigal-o a attender-me como eu exijo ser attendido. Para não comprehender isto, para não respeitar esse sagrado direito, que tem todo o accusado de se defender, é necessario estar corrompido até o fundo da alma. O scepticismo e a irreverencia para com os outros, só se dá em quem duvída de si proprio, e a si proprio se não respeita, porque se conhece. O senhor soube insinuar a calumnia no seio de uma familia, cujos amigos generosos não a receberam sem dor; e quando o calumniado lhe vem pedir explicações, porque se trata da sua unica riqueza, porque, sem familia e pobre, e ámanhã talvez na miseria, precisa de defender o unico bem que lhe resta, o senhor recebe-o com um sorriso ultrajante, para occultar