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Esta fôra effectivamente sempre incançavel, solícita e carinhosa enfermeira.

Os cuidados de que o rodeava, como a um irmão, absorviam-lhe todos os instantes; prevêr-lhe os desejos, adivinhar-lhe as penas, procurar-lhe allivio ás dores physicas ou moraes, era agora para ella a tarefa de cada momento, a preoccupacão permanente de todos os seus pensamentos.

Henrique costumára-se a vêr mover-se no seu quarto aquella meiga e delicada figura de mulher, creança de hontem, a ouvir-lhe o timbre suave e ainda um pouco infantil da voz, a cruzar o olhar com aquelle olhar brando que o fitava com sympathia e meiguice; já se não sentia bem, longe d’ella, e a cada momento, se estava ausente, dirigia as vistas para a porta á espera de a vêr apparecer.

Magdalena espiava estes symptomas, notava a influencia crescente de Christina sobre o animo do rebelde, que até alli fôra insensivel, e exultava. Muito de proposito a morgadinha afastava-se o mais possivel da cabeceira do enfermo, por uma razão analoga á que obriga os pintores a deixar em meias tintas os accessorios de um quadro, para que a attenção se fixe no objecto principal.

Magdalena estava tambem dispondo uma obra de arte, na qual Christina devia ser a figura principal.

N’este intento a morgadinha conservava ás visitas que vinha fazer a Henrique um ar cerimoniatico, que contrastava com a insinuante familiaridade da prima. Para isso teve Magdalena de suffocar os impulsos da sua indole de mulher, e de mulher que tão bem comprehendia os deveres da sua missão, ao mesmo tempo carinhosa e heroica. Apresentava-se o mais extranha que lhe era possivel a estes pequenos cuidados, que tão irresistivel influencia exercem no coração do homem que experimenta a ventura de ser objecto d’elles.

De dia para dia crescia o ascendente de Christina sobre Henrique, e crescia á custa de Magdalena.