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— Sim? — disse o conselheiro, dobrando os papeis que lia, e simulando um ar de interesse, que realmente estava muito longe de sentir. — Então de que se trata?

— De um negocio importante, em que é preciso que seja ouvido.

— Ah! Então é um caso de consciencia?

— E não o diga a rir, que é. Aqui o sr. Henrique de Souzellas acaba de me fazer um pedido... Isto é, a prima Dorothéa foi que m’o fez.

— Mas por ordem d’elle — acudiu esta.

— Pois sim, o que era escusado.

— Mas então que pede de nós este caro sr. Henrique?

— Nem mais nem menos do que uma das nossas pequenas.

O conselheiro relanceou um olhar para Magdalena. Já, por mais de uma vez, a hypothese do casamento da filha com Henrique lhe tinha passado pela ideia, e de modo algum lhe era antipathica. Henrique tinha um bom nome, rendimentos sufficientes, e, se quizesse, um futuro na sociedade, e o conselheiro tudo isto invejava para seus filhos.

Magdalena, que percebeu no gesto do pae a ideia que elle tivera, quiz tiral-o quanto antes da illusão e disse:

— Quem mais razão tinha para protestar era eu. Ha de fazer-me falta a amizade de Christina.

— Ah! — disse o conselheiro, com um sorriso um tanto contrafeito. — Então quer-nos roubar a nossa Christina, sr. Henrique?

— É apenas uma restituição que peço, sr. conselheiro, porque não me posso resignar a viver sem coração.

— Faz madrigal? Está então apaixonado devéras, já vejo — disse o conselheiro. — Pela minha parte folgo de o vêr assim associado á minha familia, por tão bom caminho. Mas onde está a thaumaturga, que fez o milagre de converter este celibatario emerito,