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A VIAGEM MARAVILHOSA
na barafunda, na gritaria, nas descomposturas. A rua
era um bazar de lojas miúdas, vsapatarias, roupas feitas,
joalherias, todas sarapintadas, escancaradas, coloridas,
reclamistas a se disputarem a freguezia de syrios, italia-
nos, portuguezes e mulatos, que desfilavam morosos,
mirando as exposições extravagantes. Cinemas despeja-
vam e enguliam as multidões variegadas. Alto-falantes
divertiam-se em entoar maxixes e campan-hias em chamar
o povo. Por entre esta promiscuidade indolente e avida
da grande rua, onde se expandiam marafonas, rufiões,
traficantes, transbordados de todas as terras, repousavam,
abstractos, os edifícios do collegio nacional e da politica
exterior. Logo que o automóvel passou esta velha casa
triste, Jujú pediu para atravessarem pelo parque. Ahi o
automóvel foi devagar. A vastidão da praça offerecia um
socegado abrigo á immensa área verde. Dentro das grades
havia uma transposição espiritual deliciosa. A imaginação
alargava os grammados, engrandecia as cascatas, engros-
sava os fios dágua e criava a natureza pródiga de campos,
de florestas, de rios violentos. As cutias, as pacas, os
veados, os grous, os mutuns soltos, indifferentes aos
homens e á sua mecânica, fortaleciam a illusão da matta
tropical. Thereza divertia o menino, volteando pelas ala-
medas e parando deante das cutias agrupadas, entretidas
em quebrar e chupar coquinhos, que cahiam das palmei-
ras. De repente ella soltou o klaxon, assustou os bichinhos
e deixou o parque. Naquella natureza sentira-se só. Que
encanto se Philippe estivesse ao seu lado!
Outra rua larga abria-se ao automóvel. Outra população
labutava. Eram judeus mercadores de moveis, libanezes
tintureiros, minhotos nas vendas, napolitanos de carros
de refrescos, italianas de vestidos. campesinos, syrias
enfeitadas de contas, ciganas, polacas, uma canalha
infecta, piolhenta, a pulular da casaria miúda, cerrada,
que corria de par em par pela rua até desembocar no
Mangue. Grande tristeza davam as filas das maravilhosas