sicos: Domingos Botelho era extremamente feio. Para se inculcar como partido conveniente a uma filha segunda, faltavam-lhe bens de fortuna: os haveres d’elle não excediam a trinta mil cruzados em propriedades no Douro. Os dotes de espirito não o recommendavam tambem: era alcançadissimo de intelligencia, e grangeara entre os seus condiscipulos da universidade o epitheto de «brocas» com que ainda hoje os seus descendentes em Villa Real são conhecidos. Bem ou mal derivado, o epitheto brocas vem de brôa. Entenderam os academicos que a rudeza do seu condiscipulo procedia do muito pão de milho que elle digeria na sua terra.

Domingos Botelho devia ter uma vocação qualquer; e tinha: era excellenle flautista; foi a primeira flauta do seu tempo; e a tocar flauta se sustentou dois annos em Coimbra, durante os quaes seu pae lhe suspendeu as mesadas, porque os rendimentos da casa não bastavam a livrar outro filho de um crime de morte[1].

  1. Ha vinte annos que eu ouvi d’um coevo do facto a historia do assassinio assim contada: Era em quinta Feira santa. Marcos Botelho, irmão de Domingos, estava na festa de endoenças, em S. Francísco, defrontando com uma dama, namorada sua, e desleal dama que ella era. N’outro ponto da igreja estava, apontado em olhos e coração á mesma mulher, um alferes de infanteria. Marcos enfreou o seu ciume até ao final do officio da paixão. Á sahida do templo encarou no militar, e provocou-o. O alferes tirou da espada, e o fidalgo do espadim. Terçaram as armas longo tempo sem desaire nem sangue. Amigos de ambos tinham conseguido aplacal-os, quando Luiz Botelho, outro irmão de Marcos, desfechou uma clavina no peito do alferes, e alli á entrada da «rua do Jogo da Bola» o derribou morto. O homicida foi livre por graça regia