ambíguo, / tudo o que eu digo / tem ultrassentido” (3º, 4º e 5º versos). São sentidos que vão além do mais imediato e aparente. Esse recurso se constitui para dar conta do descompasso registrado nos dois primeiros versos do poema: “O papel é curto. / Viver é comprido”. O descompasso entre “papel” e “viver” pode ser entendido como sendo a impossibilidade de registro das vivências, das experiências e da própria vida em sua completude, pois não cabem nas restrições exigidas pelo “papel”. Em outras palavras: as vivências abarcam uma multiplicidade de eventos impossíveis de serem registrados exclusivamente pela linguagem verbal, no papel. Por isso “o viver é comprido” em relação ao “papel”, que é “curto”. Para contornar essa limitação, o eu-lírico forja um dizer que tem “ultrassentido”, que permite fixar com inteireza o registro de suas experiências de vida.

“Infra” designa algo que está abaixo de, aquém de. Numa primeira leitura isso tem relação com o descompasso entre o “rir de si mesmo” e o “ser levado a sério”, registrados nos primeiros versos dessa estrofe: “Se rio de mim, / me levem a sério”, como se houvesse uma individualidade aquém das aparências, mais profunda e que não se manifesta na superfície.

Com isso retornamos ao mesmo problema levantado no início da análise desse poema: quando o eu-lírico ri, o riso se projeta na individualidade, que deve ser levada sério contrariando sua aparência jocosa, ou é o próprio riso que deve ser levado a sério? Ou será uma armadilha para desviar a compreensão do interlocutor?

Entre o “rir de si mesmo” e o “ser levado a sério” a pergunta que coloco é: quem é, realmente, esse eu-lírico? Esse é o “mistério”. No poema, é “infra”, pois não aparece, não é evidente. O eu-lírico carrega essa pergunta – esse mistério – sem enunciá-lo. E logo na primeira estrofe menciona sentidos ocultos em seus dizeres: “oculto ou ambíguo / tudo o que eu digo / tem ultrassentido” (3º, 4º e 5º versos).

Se o eu-lírico ri de si mesmo, bastaria esse riso para caracterizar sua individualidade? Parece que não, já que o riso é uma percepção exterior e não reflete nem demonstra, necessariamente, quem ele é. Por outro lado será cabível falar em individualidade como algo pronto? Noutros termos, a individualidade existe por si só, se auto-constitui, ou é ela fruto de um olhar externo, de uma “alteridade”? O poema nos deixa sem resposta, pois é justamente nessa alternância, ou seja, nesse “ínterim” (8º verso) que segue seu “inframistério”.

Note que é justamente um movimento de alternância (“ínterim”) que perpassa todo

o poema: alterna-se o “papel curto” e o “viver comprido”; os dizeres tem “ultrassentidos” que são ambíguos ou ocultos; o “rir de si mesmo” e o “ser levado a sério” em contraposição a dúvida de uma “ironia estéril”, até culminar no 9º verso – nesse “ínterim” –, ou seja, nessa

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 154-169, 2016. ISSNe 2175-7917