colonialismo humanista, universalista, multicultural e miscigenador. Por essa via “democrática”, os brancos europeus seriam isentos da violência empregada ao longo do processo de colonização e os portugueses seriam apontados como os heróis que tiveram o “fardo” de levar a civilização aos cantos do mundo.

Nesse contexto, surge o pressuposto da “democracia racial”. Guimarães (2002, p. 138) havia atribuído o primeiro uso do termo a Roger Bastide que, em artigo publicado em 1944, no Diário de S. Paulo, teria feito uma possível tradução livre das ideias de Freyre. Já Hofbauer (2006, p. 257), de forma mais consistente, estima que a expressão tenha sido cunhada antes, pelo antropólogo Arthur Ramos. Em 1941, esse estudioso brasileiro teria participado de um congresso em Chicago, quando atribuiu o tratamento diferenciado das raças no Brasil à continuação do velho sistema colonizador dos portugueses de propiciar a “mistura cultural”, seguindo a tendência exaltada por Portugal e que seria reiterada ainda por Freyre. Ramos teria, então, lançado mão do conceito “democracia racial”, enaltecendo a experiência brasileira em relação às formas discriminatórias vigentes nos Estados Unidos e na Alemanha.

A partir das décadas de 1930 e 1940, embora sem mencionar de fato em suas principais obras a tal “democracia racial”, é por meio de Freyre que a mestiçagem e a convivência pacíf1ca seriam diretamente associadas à identidade nacional. Por um lado, Freyre pode ter contribuído para se chamar a atenção dos pesquisadores para a questão do negro e de seus descendentes brasileiros ou até para o papel igualitário das diferentes raças na formação da sociedade brasileira, por outro, como expõe Skidmore (2012, p. 268), a obra desse autor teve como efeito prático o reforço ao ideal de branqueamento, mostrando que o contato com o africano - ou até, em menor medida, com o índio - proporcionou os valiosos traços culturais da elite, basicamente branca. Ou seja, apontava-se para a crença de que, no Brasil, índios e negros emprestariam diversidade cultural, mas, na pele, seria o tom branco que deveria prevalecer.

Ao mesmo tempo, a obra de Freyre contribuiu para se instaurar essa atmosfera psicoafetiva de conciliação, mantendo a imagem do brasileiro como democrático, visceralmente pacíf1co e alegre e que valoriza a sua miscigenação, de acordo com o que levantou Sodré (2000, p. 102). Esse pesquisador complementa que as omissões quanto à “raça” nos recenseamentos ao longo das décadas, as denegações dos intelectuais, da imprensa e do senso comum em relação à existência de uma questão racial, as af1rmações de uma

cordialidade excepcional entre brancos e negros e etc concorrem não só para reiterar o desejo da elite do branqueamento, ou “amorenamento” como ele diz, da população mas também para

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Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 170-187, 2016. ISSNe 2175-7917