qualquer tom alegre nas capas, por exemplo.

Nesse sentido, há pelo menos duas grandes falácias no que se refere à suposta democracia racial no país. Primeiro, é necessário destacar que ela não é fruto de um processo “natural”, mas sim resultado da mencionada violência dos “descobridores” que, no desejo de controlar a terra, faziam-se valer de atrozes rituais de masculinidade, entre os quais estavam os estupros frequentes a mulheres das colônias, fossem negras ou índias, como aborda, inclusive, McClintock (2010). A proibição de emigração de portuguesas para a colônia, caracterizando-se um modelo diferente dos Estados Unidos, por exemplo, que pregava a emigração de famílias, reforçou a associação de índias, mulatas e negras a práticas sexuais ilegítimas, enquanto as brancas seriam aquelas com quem se deveria casar.

Delimita-se uma segunda falácia no que tange a questão dessa “democracia racial”. Apesar desse retrato eufórico do país e das possíveis justificativas relacionadas ao mérito de cada um, os mestiços, assim como os negros, endossam as estatísticas mais desvantajosas quanto à educação, trabalho, lazer, ao mesmo tempo em que seriam propagandeados como símbolo da igualdade brasileira.

Isso só vai começar a ser admitido de maneira mais abrangente a partir da década de 1990, quando as políticas afirmativas, com ações como a garantia de cotas nas universidades, por exemplo, reconheceriam desigualdades históricas e impulsionariam discussões sobre a questão racial. Para Telles (2012), tratar-se-ia de um momento dramático na história brasileira, com o reconhecimento do racismo não só pelo governo como pela sociedade em geral. O fato é que esses processos lançariam luz, inclusive, sobre o próprio emprego da palavra “raça”.

Os porquês do uso de “raça”

Para Hofbauer (2006, p. 417), é preciso lembrar que nunca houve um consenso quanto à def1nição de “raça”, “nem hoje nem em épocas em que “raça, tinha ainda a aura de um “conceito científ1co objetivo7”. Como complementa Telles (2012, p. 85), no Brasil, o termo é um conceito ambíguo, pois existem vários sistemas de classif1cação, ou seja, são várias delimitações situadas entre branco e preto, influenciadas ainda por classe social, gênero e mesmo status social e especif1cidades regionais. Porém, como se sabe, raça ainda é um claro marcador social de diferença, notadamente no Brasil, ao lado justamente dessas denominações como de gênero e classe. O fato de essas categorias, que contribuem para a construção de

hierarquias e influenciam nas relações sociais, concentrarem uma série de controvérsias quanto a seu uso e conceituações não inviabiliza discussões, pelo contrário, reforça a

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Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 170-187, 2016. ISSNe 2175-7917