Pilatos, que fora prefeito da Judeia, entre os anos 26 e 36 d. C., é o “[...] único nome próprio, ao lado daqueles do “senhor Jesus Cristo, e da “virgem Maria), totalmente estranho - ao menos aparentemente - ao seu contexto teológico” (AGAMBEN, 2014, p. 21), que aparece no credo. Nome que foi acrescentado ao rito pelo Concílio de Constantinopla, no ano 381, não por acaso, conforme acredita Agamben. A assembleia preferiu o nome de Pilatos, ao invés do de Tibério (imperador de Roma à época), pois Pilatos, de acordo com o filósofo, possui maior importância nas narrativas dos quatro Evangelhos Canônicos. Tanto João, quanto Marcos, Lucas e Mateus expõem em seus livros todas as hesitações e os titubeios de Pilatos em relação à condenação de Cristo como, por exemplo, na seguinte passagem do Evangelho de Marcos: “[...] Mas Pilatos lhes disse: Que mal fez ele? E eles gritavam cada vez mais: Crucifica- ol/Então, Pilatos, querendo contentar a multidão, soltou-lhes Barrabás, e, após mandar açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado” (Marcos, 15: 14-15).

Durante toda a conversa travada com Jesus, Pilatos utiliza-se de muitos subterfúgios, como se fosse tentado ora pelo bem, ora pelo mal. Nessa esteira, sua esposa Procla figura como a imagem do bem, ela pede que Jesus não seja condenado, já os membros do sinédrio seriam a imagem do mal, aqueles que acusam Jesus de “pretensão messiânica à realeza” (AGAMBEN, 2014, p. 44), e é justamente a estes que Pilatos obedece. Tais passagens revelam aspectos de um caráter ambíguo, que oscila entre a dissimulação e a hesitação de Pilatos. Por vezes, em seu discurso, ele parece vacilar como se não quisesse para si a responsabilidade da crucificação de Cristo. Ideia que aparece em outras obras, como em Médico de Homens e de Almas (1958) da autora Taylor Caldwell, que trata da história de São Lucas e que em uma passagem revela: “Prisco escrevia a respeito de Pôncio Pilatos, o procurador. “É homem pacíf1co, mas vacilante, e prefere sua biblioteca e a companhia de sua esposa aos banquetes e à política7.” (CALDWELL, 19--, p. 454).

Na época, Pilatos detinha o poder na Judeia. Ele não julga a “causa” em seus méritos e não prescreve uma sentença ao Rei dos Judeus, mas o entrega diretamente à crucif1cação, algo que também não condizia com as leis romanas. Pilatos deveria agir como juiz, mas não cumpre o seu papel e age como uma sombra, na tensão entre o fazer e o não fazer, institui-se um juízo sem juiz, Pilatos é um simulacro de juiz, investido de uma potência inquietante de pretextos para fugir do seu dever. Agamben neste ponto recupera a ideia de Dante Alighieri, o qual coloca Pilatos na ala dos ignavos, no livro do Inferno. Ou seja, de alguma maneira, a figura de Pilatos perpetuou-se como a imagem de um homem covarde, indolente e preguiçoso.

Apesar disso, mesmo com pouca recorrência, Agamben lembra em Pilatos e Jesus,

194

Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 193-197, 2016. ISSNe 2175-7917