que há várias versões sobre este episódio e traz algumas passagens de evangelhos apócrifos, a exemplo do Evangelho de Gamaliel, em que Pilatos assume um aspecto mais amoroso e assim, ele e sua esposa são descritos como cristãos que amam a Jesus. Nesse sentido, vale lembrar que, as posturas paradoxais de Pilatos, apontadas por Agamben, são detalhes interessantes de serem observados e revelam características do método de leitura deste autor. Ou seja, ele costuma sugerir ao leitor, a análise dos diversos vieses de cada questão, nesse caso das ambiguidades de Pilatos, mais do que, necessariamente, afirmar algo.

Com relação ao “juízo”, que determina o destino de Jesus Cristo, este é considerado por Agamben como um processo ilusório, o qual nomina de “simulacro de processo” (AGAMBEN, 2014, p. 48), pois e um processo sem julgamento, um faz-de-conta, em que Jesus, que não é deste reino, é entregue por Pilatos (representante do reino terrestre), depois de muitas evasivas, e é crucificado. Cristo é condenado segundo as leis dos homens, sem passar por um julgamento com acusação, defesa, testemunhas e sentença, como ocorre costumeiramente. Pilatos considera-se competente para julgar o “reino que não é daqui”, no entanto Agamben mostra que o seu discurso é repleto de evasivas e, na realidade, não julga Jesus, mas entrega-o diretamente à cruciñcação. Com esta atitude, Pilatos profana os limites da sua jurisdição, aos moldes do que Agamben ensina sobre Profanação, pois exerce seu “poder” de decisão sobre aquele, cujo reino não é terreno e sobre a natureza do qual Pilatos tem dúvidas até o ñm, porque internamente ele não tem certeza de qual mundo Cristo pertence.

Sobre isso, Agamben esclarece que: “[...] A questão do Reino de Jesus, mundano ou celeste que seja, continua suspensa até o ñm. E é precisamente por isso que a argumentação ñnal dos membros do sinédrio (“Não temos outro rei senão César7) convence Pilatos a entregar Jesus” (AGANBEN, 2014, p. 44). Mais uma vez a questão dos paradoxos vem à tona e, talvez, segundo Agamben, este seja o momento da história em que pela primeira e única vez foi possível colocar em diálogo os dois reinos, o terrestre e o divino, o eterno e o humano, que se cruzam e se eclipsam e, portanto, ofuscam-se, impedindo que Pilatos, por exemplo, tenha uma visão clara da situação e, assim, por aclamação ou por necessidade de aceitação pública, ele se rende ao sinédrio.

Esse episódio da tentativa do cruzamento dos planos e tempos, do divino e do mundano, já foi aspirado por muitos artistas universalmente, que pintaram cenas, análogas às do juízo ñnal ou às de um julgamento em si, em suas telas ou na literatura, a exemplo de

Dante Alighieri, no livro A Divina Comédia. Neste poema de cunho épico-teológico-político,

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Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 193-197, 2016. ISSNe 2175-7917