mas também no estético. Afinal, uma revolução, como é sabido, é motivada por reivindicações de diversas ordens. Dessa forma, estabeleceram-se, desde a negação do Ancien Régime, novas relações entre o homem e as artes. Em outras palavras, a partir de um dado momento, novas concepções no âmbito artístico puderam se configurar. O neoclassicismo deu lugar ao romantismo, que pôde, à época, representar os hábitos de uma sociedade que leu inúmeros romances como se estivesse diante de um espelho, reconhecendo-se nas obras lidas e, por conseguinte, identificando-se com o mundo da ficção. A literatura era percebida, pois, como o atual, ainda que a relação entre os artistas das letras e seus admiradores não fosse de todo harmoniosa. Escritores como Stendhal (1783-1842), para citar apenas um dentre tantos exemplos, souberam expor em suas obras os costumes nem sempre louváveis de uma sociedade pequeno-burguesa da qual o herói literário ambicionava fazer parte. Vide O vermelho e o negro.

Não podemos saber se Dostoiévski compreendia aquilo que observava em suas viagens como a ascensão da modernidade, pois é quase impossível lançar um olhar preciso e consciente sobre o próprio tempo em que vivemos. De toda forma, na condição de estrangeiro, o escritor russo não estava alheio às novidades e às transformações, que ele pôde identificar exatamente por encontrar-se fora de seu “habitat natural”. No primeiro dos sete capítulos em que se subdividem as suas notas, “Em lugar de prefácio”, já é curioso observar o tom irônico com que Dostoiévski trata o próprio trabalho que terá a seguir: “Quem de nós, russos (pelo menos dos que leem revistas), não conhece a Europa duas vezes melhor que a Rússia?” (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 69). Escrever impressões sobre as cidades europeias seria algo quase inútil, porquanto todos os russos já possuiriam largo conhecimento sobre o assunto. Continua Dostoiévski: “... nada tenho de especial para contar, e ainda menos para anotar ordenadamente, pois nada vi em ordem, e, se cheguei a ver algo, não tive tempo de examiná-lo” (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 69). Ao afirmar que nada viu em ordem, o escritor chama atenção para o caráter despretensioso de suas anotações, que seriam diametralmente opostas a uma observação científica, fundamentada em bases sólidas (o que justifica o uso do termo “impressões” no título da obra em questão). As notas não têm compromisso algum com a investigação formal de um expedicionário, o que, nesse caso específico, parece ser algo positivo, haja vista que confere certa liberdade a seu autor.

Como foi dito no início deste texto, Notas de inverno... trata das viagens que Dostoiévski fez pela Europa no ano de 1862. Certamente, ao leitor mais atento, tal passagem pode ter parecido algo estranha. Afinal, a Rússia também integra o continente europeu. Com

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 70-80, 2016. ISSNe 2175-7917