ouviam-se o ranger e o uivo das máquinas a vapor. Se naquelas turbulentas décadas alguém se trancasse em sua casa por um ano, após o que novamente ganhasse as ruas da grande cidade, provavelmente seria tomado pelo espanto e, talvez, fosse capaz de enxergar as transformações com os olhos de um estrangeiro, tal como os de Dostoiévski em suas viagens.

O relato de uma habitante da capital inglesa que, no início do século XX, também estava atenta à implacável ascensão da modernidade em Londres merece ser lembrado aqui. A comparação, ainda que sucinta, nos ajuda a verificar que os apontamentos feitos por Dostoiévski se consolidariam adiante de maneira inexorável. Em seu texto “A maré de Oxford Street”, Virginia Woolf (1882-1941) anota: “O encanto da moderna Londres está em ser feita para não durar, mas para passar. [...] Nós não edificamos para os nossos descendentes, que tanto poderão vir morar nas nuvens como debaixo da terra, mas para nós próprios e para as nossas necessidades” (WOOLF, 2005, p. 40-41). Nessa passagem, a escritora inglesa destaca a efemeridade londrina, em que nada é feito para durar, em que as coisas, as pessoas e as relações podem ser tão céleres quanto um trem sobre trilhos cortando o centro da cidade. O que Virgínia Woolf observa é a definição, hoje consolidada, das grandes metrópoles ocidentais. Assim, vemos que nas primeiras décadas do século XX, exato momento em que a romancista redigia seu texto, começava a se consolidar o conceito de modernidade na acepção baudelairiana: a bela mulher que anuncia o novo, mas que guarda em si os vestígios do passado; que nos ignora, mas a quem somos capazes de dedicar um poema.

De fato, seria impossível não perceber que, mesmo se apresentando como algo novo, nunca antes visto, a sociedade moderna não pode livrar-se totalmente dos elementos de um passado do qual se erigiu. Na cidade moderna, a contradição deve necessariamente estar presente. Referindo-se ao bairro High Market, escreve Dostoiévski: “É o bairro no qual, em algumas ruas, se acotovelam de noite milhares de mulheres da vida. [...] A cada passo, há magníficos cafés, com dourados e espelhos. Ali são os pontos de reunião e também de refúgio. Dá até medo penetrar nessa multidão” (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 119). Detrás das luzes ofuscantes e da beleza encantatória que cega o flâneur, observador atento, escondem-se as impurezas e imperfeições intrínsecas ao disforme mosaico da metrópole.

Outro aspecto de suma importância quando tratamos do surgimento das modernas cidades em meados do século XIX, diferentes quase em tudo daquilo com que nos habituáramos nos séculos anteriores, é a possibilidade de, em um mesmo espaço, coexistirem as mais díspares nacionalidades. Pessoas que antes jamais imaginaram se encontrar agora trocam cordiais apertos de mão. A propósito dessa temática, escreve Dostoiévski:

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 70-80, 2016. ISSNe 2175-7917