que “elimina o acaso”), uma “ordenação [...] de modo algum inata”. O eu poético e o verso deixam de ser a amarração da obra, sendo substituídos pela estrutura, que “voa, para além do volume, inscrevendo [...] o almagre ampliñcado do gênio, anônimo e perfeito como uma existência de arte” (MALLARMÉ, 2008, p. 158). A “obra pura” é, portanto, consciente da maior das consciências de época - que a poesia serve-se da “noção pura”, contrária ao uso banal do discurso, a “flor” que se sabe palavra, “ideia em si mesma e suave, ausente de qualquer buquê” (MALLARMÉ, 2008, p. 160).

Essa poesia seria, portanto, extremamente racional e amarrada. Não seria necessário submeter-se às exigências do verso, mas, e aqui já podemos nos concentrar no “Prefácio” de “Um lance de dados”, as “subdivisões prismáticas da Ideia” seriam exigidas antes pelo “flo condutor latente”, a “verossimilhança que se impõe” (CAMPOS, 2010, p. 151), em resumo, o pensamento, pois: “não é das sonoras unidades dos metais, das cordas, das madeiras, mas da fala intelectual em seu apogeu, que deve resultar, com plenitude e evidência, no conjunto das relações existentes em tudo, a Música” (MALLARMÉ, 2008, p. 159).

Poder-se-ia, portanto, demonstrar como todas essas pequenas unidades da Ideia se unem ao todo da estrutura-pensamento, como as pequenas estrelas se juntam na constelação, porém, para os ñns deste trabalho, convém manter-se na própria estrutura-pensamento, a ñm de compreender, posteriormente, como essa concepção de poesia-estrutura reaparecerá, transformada, na obra de Wallace Stevens.

O problema da projeção direta de “Crise do Verso” sobre “Um lance de dados” é que ela parece redutora demais. A fórmula seria: a organização matemática do poema, o Pensamento, como o lance de dados, abole o acaso, sendo a constelação que se coloca como saída. Porém poesia não é discurso taxativo. A constelação é saída possível, embora todo o pensamento emita um lance de dados, um lance de dados não abole (“jamais abolirá”) o

acaso. Se é saída é saída possível, por um momento, e sempre tensa, equilibrada sobre a

7 fragilidade de um jogo de azar. Além disso, o tom do poema é tudo menos ameno. Como lembra Haroldo de Campos: “a procura do absoluto, fadada por deñnição à falência, entrevê um êxito possível na conquista relativa sancionada por um talvez: a obra-constelação, evento humano, experiência viva e viviñcante - véspera de um novo lance [...]”. Assim, “do ponto de vista de uma teoria da composição, a consequência duma tal hermenêutica do Un Coup de Dés não seria a abolição do acaso, mas a sua incorporação, como termo ativo, ao processo criativo” (CAMPOS, 2010, p. 190).

Essa leitura essencialmente poética pode ser projetada ainda sobre outra leitura

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Anu. Lit., Florianópolis, v.21, n. 1, p. 92-113, 2016. ISSNe 2175-7917