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O homem Prometeu é o homem dando o infinito aos seus desejos, partindo para alêm dos deuses familiares, correndo o risco de ficar só e às escuras no Espaço sem fim, onde só um novo Deus de infinito amor poderá ser companhia.

Êsse homem Prometeu, perdido e vagabundo, encontrou a mão de Jesus reconduzindo-o a Deus; ¿mas quantos ainda hoje passeiam num Infinito mudo a desolada estátua de sua solidão e tristeza?

A Epopeia vai fazer-se: os portugueses partem ligando os mundos, e, ao dobrar da África, o velho do Restelo é o Prometeu português, o Adamastor petrificado, prevenindo de novo as almas das duras consequências da audácia, das dôres companheiras de toda a criação.

O Velho desejara que o fogo dos altos desejos prometaicos não tivera ardido, e profetizara com uma voz tão sábia e prevenida que bem parece ser a própria voz dum doloroso saber de experiências.

O Velho acompanha a frota e de novo. Maior, Imenso e Tormentoso, quere vedar o Mistério, conter as forças de bem e de mal que os navegadores estão prestes a libertar.

Profetiza e ameaça, mas, quando interrogado em palavras lusíadas, conta aos portugueses, ao mar e às nuvens, a tragédia esquiliana da sua aventura.

O irmão Prometeu roubara o fogo aos deuses, êle quisera furtar-lhes o amor.

A Luz prometaica iluminara os mundos, mas o Espaço regelado não fôra comovido por essa fria luz da inteligência: a candeia cristã vai purificar e aquecer essa luz e será o Amor a Grande Presença Universal, dadivosa e inexgotável.

Eis porque o Prometeu português tem um Cáucaso — é o términus do mundo conhecido, aprisionado em contacto com as primeiras ondas do mundo misterioso!

Eis porque Adamastor tem um abutre — os próprios braços do amor, regaço ondulado de Thetis, fazendo