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CARTAS DE INGLATERRA

christão: nos bazares fallava-se do estrangeiro como do cão maldito, da ave de rapina, peior que o gafanhoto que devora a seara nos campos ferteis do Nilo; e, ou fôsse o fanatismo que despertasse, ou fôsse a miseria que se queria vingar — todo o bom mussulmano se armava.

N’estas circumstancias, de uma chufa de botequim póde nascer uma guerra de raças. E, pouco mais ou menos, assim succedeu. Na manhã do dia 11, na rua das Irmãs, uma das mais ricas do bairro europeu, um inglez, por um velho habito, deu chicotadas n’um arabe; mas, contra todas as tradições, o arabe replicou com uma cacetada. O inglez fez fogo com um revólver. D’ahi a pouco o conflicto entre europeus e arabes, em pleno furor, tumultuava por todo o bairro... Isto durou cinco horas — até que, por ordens telegraphadas do Cairo, a tropa, até ahi neutral, acalmou as ruas. E o resultado, bem inesperado, mas comprehensivel, desde que se sabe que os arabes só tinham cacetes e que os europeus tinham carabinas — foi este: perto de cem europeus mortos, mais de trezentos arabes dizimados. Os jornaes têm chamado a isto o massacre dos christãos: eu não quero ser por modo algum desagradavel aos meus irmãos em Christo, mas lembro respeitosamente que isto se chame a matança dos mussulmanos.