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PREFÁCIO BIOGRÁFICO
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Esta terceira condessa parecia querer que a memória das suas antecessoras fôsse absolvida, ou então vingá-las da cruêza do marido.

Entre vários amadores, aceitou os requebros do rei, por que era D. João IV, e os de D. Francisco Manuel de Melo, por que era gentil, môço de trinta anos, corajoso e poeta, o primeiro e mais galã de quantos então abrilhantavam os saraus da primeira fidalguia.

Não é verdade que a condessa de Vila Nova de Portimão désse hora e senha ao rei e ao fidalgo conjuntamente. A hora era de D. João IV ; mas D. Francisco, cioso e desconfiado, espreitava um rival quem quer que fôsse.

Estava êle acantoado no pátio do palácio, espaçoso vestibulo, que se chamava o «Pátio das colunas» perto do Limoeiro, no terreno onde, mais de século e meio depois, o secretário da Regência, Salter de Mendonça, edificou o seu palácio, sôbre as ruínas do outro, arrasado pelo terramoto de 1755.

D. João IV entrou ao escuro recinto ; e, quando subia a espaçosa escada, deu tento de um vulto, e do tinir da espada no talabarte. Arrancou da sua sem proferir palavra ; mas conheceu o adversário com quem ia havê-las, por que D. Francisco perguntou ao desconhecido quem era.

O rei tinha bem de memória a voz do homem com quem, a miúdo, e aprazivelmente praticava.

Brigaram algum tempo, ferindo-se ligeiramente, e cessaram de esgrimir, quando no patamar da escada lampejou o clarão de uma luz, com que a sobressaltada condessa acudia ao tilintar dos ferros. Então, fugiram ambos a um tempo, e cada um por sua betêsga mais à mão. O conflito passou ignorado do marido para não

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