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PREFÁCIO BIOGRÁFICO
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como guardasse ainda algum resíduo do veneno que matára D. Guiomar da Silva, ministrou-o a D. Mariana de Alencastre com igual êxito, vindo assim a condessa a morrer pouco tempo depois do denunciante.

Não podemos já desejar mais claridade no mistério que tanto deu que meditar e conjecturar no decurso de quási dous séculos e meio. Traslado-o pouco menos de textualmente copiado do códice genealógico de Cabêdo, que diz ter conhecido todos ou quási todos os figurantes da horrenda história, nomeando por seus nomes até os três matadores que morreram na forca, depois de haverem dito no oratório que não conheciam de nome nem de vista D. Francisco Manuel de Melo.

Êste desgraçado não esteve prêso sete ou oito anos, na Tôrre Vélha, como dizem os seus biógrafos ; mas sim dôze como êle mesmo diz em uma de suas cartas : «Nos primeiros seis anos da minha prisão escrevi vinte e duas mil e seiscentas cartas. ¿ E que será hoje, sendo dôze os de prêso, seis os de desterrado, e muitos os de desditoso ?» [1]

Sofreu penúrias no cárcere, por que foi esbulhado de suas rendas. Provam a sua extrema pobreza as seguintes passagens da correspondência : «Sinto só o vêr-me em maneira que nem para estar aqui nem para sair daqui vejo meios ; por que, faltando-me os com que me hei-de sustentar, não tenho sagrado a que apele, nem na paciência própria… Sirva-se V. M. me mandar uma manta de lenha, que com essa incerteza estou desaviadíssimo para o inverno ; e, segundo isto vai, levo geito de lhe queimar aqui todo o pinhal… Os livros folgara


  1. Carta 1.ª do autor aos leitores — Cartas.