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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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las (que as tiver), as vizinhas, e gente de antigo conhecimento ; e tôdas daquela esfera de gente, que sem vergonha de seu estado, pode, e deve servir, e de quem seus amos, sem pejo nem vaidade, podem, e devem ser servidos.

Uma casta de mulheres que há pelo mundo, que são entre hóspedes e recolhidas, tam pouco levará o meu voto. Muitas senhoras folgam de valer a estas tais com autoridade de sua casa. Não sou contra o bem fazer ; mas incauta seria a piedade de quem tirasse do lume os carvões acesos, porque se não gastassem, e os metesse no seio para que lho abrasassem. Todavia não é geral esta regra, que pode pela prudência do marido ser alguma vez dispensada.

Contra a antiga modéstia portuguesa, introduziu o costume que as criadas andassem no mesmo trajo que suas senhoras. Ajudam-se de outra astúcia, metendo em cabeça às pobres amas, (a quem com tais persuadições deixam mais pobres) que a honra de minha senhora está em fazer suas criadas mais lustrosas que a si mesmo, e lhe apontam que veja a aquela, e aqueloutra, que não é tanto como ela, e veste as criadas tanto melhor que ela.

Pode assim acontecer cada dia, segundo a igualdade dos trajos, não se saber qual é a ama, ou a criada, com muito mais ocasião do que dizem que a teve certo caseiro de um fidalgo noivo muito mancebo, que entrando com um presente na câmara onde jaziam seus amos, e não distinguindo qual fôsse êle, ou ela (a quem as crenchas faziam semelhantes, e as barbas não dessemelhavam) perguntou simplesmente qual dos dous era, ao serviço de Deus, o senhor noivo ? porque a êle queria dar seu recado. ¿ Quantas vezes puderam hoje outros