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CARTA DE GUIA DE CASADOS

pem ; assim as mulheres são as que primeiro dão causa a qualquer movimento ; por donde é necessário viver com elas muito regrado, porque senão destemperem, adoeçam, e matem contentamento.

Agora peço eu a v. m. por prémio do risco a que me pus em falar tam livremente, que v. m. leia, e guarde só para si êstes avisos ; porque por mais que o meu estado seja já isento dos perigos de sua indignação, todavia os passados danos fazem como ainda agora tema, e as tema.

Pelo que tenho dito das criadas, se podem tirar alguns documentos para os criados. A primeira observação àcêrca dêles, seja que a nenhum se trate de maneira que à sua própria senhora dê cuidado : cousa que não poucas vezes acontece. Quando êste favor é indiscreto, cuidam as mulheres que os criados servem a seus amos em ruins ofícios ; e particularmente se cansam com aqueles da antiga obrigação dos maridos, como antigos obreiros de suas mocidades.

Se tal sucedesse, seja o casado fácil em persuadir a sua mulher, que a trôco de que viva satisfeita, lhe será leve desviar de sua valia, e ainda de sua casa, êsse criado. E faça-o, se convém, porque neste caso a resistência é constelação das contrárias suspeitas. Eu fico que a bem inclinada, e amante de seu marido, se contente com saber lhe é possível despejar-se daquele enfadamento, quando lhe põe em sua eleição o remédio.

Sucede muitas vezes às mulheres, o que aos potros, que melhor se governam quando lhes dão a rédea, e cuidam que podem ir à sua vontade, que quando lha recolhem, e mostram que vão à vontade alheia.

Não é cura para a mulher a raiva, e acinte ; e assim se deve usar com elas de brandura, e cortesia. Se admi-