Página:Cartas de amor ao cavaleiro de Chamilly.pdf/167

CARTA DE GUIA DE CASADOS
141

tíssemos para entre os casados algum artifício, dissera ser bôa regra para a mulher, mostrar-lhe que com o marido podia tudo, sem que pudesse realmente mais do que fôsse razão.

Saiba, todavia, a mulher sisuda, que deve honrar a quem seu marido honra ; e o homem honrado, que a ninguém deve dar aso que a sua mulher perca o respeito.

Não se nega que a um, e a uns criados possa ter o senhor melhor vontade, segundo o que cada qual se avantajar em serviços, e merecimentos. A regra geral dêste negócio é que de se favorecer o criado que muito merece, ninguém se escandaliza ; de vêr acrescentar sem ordem aquele, que todos conhecem por inútil, todos suspeitam mal. Isto é nos senhores, isto nos grandes, isto nos reis.

A escolha de criados, sendo sempre necessário que se faça com consideração, o é mais para a casa dos casados. Os que se prezam de valentes, são ruidosos ; os músicos, inquietos ; os namorados, infieis ; os lindos, impertinentes. Homens limpos, bem criados, amigos de honra, são a propósito ; e estas suas melhores partes.

Taxe o número à fazenda (como já das criadas se tem dito). A razão pede uma continua igualdade na casa do homem sisudo. Nesta parte dispensâra fàcilmente, quando a ocasião requeresse contra a igualdade. Bodas, filhos, cargos, alegrias públicas, pedem vantagem na família ; que tam pouco passado aquele tempo seria defeito aguarentá-lo, e o seria passar por estas cousas sem algum novo luzimento ; porque o mundo, com quem vivemos, como tomou o sabor dos pensamentos dos homens, não julga aquela temperança por prudência, senão por avareza.