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CARTA DE GUIA DE CASADOS

Lembra-me àcêrca disto uma cortesania. Achei-me em uma côrte ao tempo que um rei mandou certa embaixada ao imperador. Era prudentíssima a pessoa que a levava, nada quis crescer no esplendor de sua casa. Notava-se por culpa, esta mediania entre os ministros. E porque el-rei expedira o negócio estando doente, diziam os travessos que S. Majestade mandava em seu nome aquele embaixador de tal maneira, por haver feito voto de ir descalço a certa casa de devoção em Alemanha, se Deus lhe desse saúde.

O mesmo que do número direi do trato. O interior, e das portas a dentro, sempre convém que seja suficiente. A gente de não grandes pensamentos, nada tanto a satisfaz como o bom pasto, que é felicidade, ou trabalho que padecem duas vezes ao dia ; o exterior das portas afóra, por que entendo o vestido, pode (como já disse): segundo os tempos, crescer, ou minguar.

Particularizando mais êste ponto : Tenho por grande prudência o dar tinelo aos solteiros ; comem, e andam limpos. O dinheiro é ocasionado : jogam, e o gastam mal, depois padecem. Êste é o perigo dos que são grandes ; e o dos pequenos, diga-o o que aqui dizia um fidalgo cortesão (vá por conta da chaminé) : que nunca tivera pagens sem sarna, senão depois que dera em os fazer dormir na cama com as donas de sua mulher.

Mas que seja tornar a isto : Contava-me um grande prelado de certa religião mui reformada, que sempre trazia os seus frades famintos, porque não cuidassem em outra cousa, senão em comer melhor. Os criados se devem tratar às avessas, porque, andando bem mantidos, são melhores os seus pensamentos.

Temos assentada a família, e posto ao casado sua