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CARTA DE GUIA DE CASADOS

em tudo querem mandar, são dignos de repreensão, igualmente aos que não querem mandar em nada.

Enfim, snr. N., fique assentado, que o gasto ordinário convém que se entregue à mulher pela contentar, pela ocupar, pela confiar, por lhe dar aqueles cuidados, por lhe desviar outros.

Se o faz como é razão, ¿ que maior ventura ? Fará conta o marido que achou um criado tam bom como êle, e tam fiel, que o serve de graça. Se o faz menos bem, ainda é mal bem tolerável. ¿ Quanto melhor será que o desaproveite a mulher que não o criado ? Que ela sempre errará contra sua vontade, ou pelo menos com vergonha ; e o criado pode ser que muito por sua vontade, e sem nenhum pejo, desacerte.

As casas da gente ordinária soem ser melhor governadas ; porque infalivelmente guardam esta regra : um traz, outro aproveita.

Dissera eu que à mulher se entregasse uma tal porção de dinheiro, que pouco excedesse o gusto quotidiano. Não por exercitar com ela alguma avareza ; porém, porque tenho por sem dúvida não convém as mulheres demasiado cabedal. Costumam gastar sem ordem aquelas que sem ordem recebem.

Diga-lhe o marido, que êle se oferece para seu escritório, que acuda a êle quando lhe falta o dinheiro, como pudera a uma gaveta de seus contadores ; e faça-lho assim certo. Leve-a pela vaidade de grande govêrno ; mostre espantar-se do muito a que chega sua indústria. Não se vê o bom alfaiate onde há muito pano, nem o bom cocheiro nas ruas largas. Eu fico que se a mulher é gloriosa, para o seguinte mês, gaste um têrço menos.

Para que lhe não seja molesto o pedir-lhe contas,