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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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Imperador D. Fernando o segundo, pai do que hoje impera (se êle impera) que não quis dormir em uma câmara, porque lha tinham perfumado. Se foi achaque de natural repugnância, é desculpável ; se não mais que hombridade, não vi eu maior impertinência. Há quem diga que foi religião ; porque dizem, tinha D. Fernando para si, que os cheiros eram só devidos a Deus. Do nosso rei D. Sebastião também contam, não ser muito caroável de cheiros. Não sei como isto é, porque, como eu sempre ouvi chamar reais a tôdas as cousas bôas, cuidava sermos obrigados a crer que tôdas as cousas bôas eram reais ; eram, digo, aceitas e dignas dos reis. A experiência mostra alguma vez que essa regra não é infalível. Contudo, se tem por certo sinal de um bom espírito ter inclinação para tôdas as cousas bôas. Não sei se nestes perfumes das mulheres entram tantas filosofias ; mas ainda que não sejam virtude, contentemo-nos com que não sejam vício.


XIV


Regalos caseiros


Direi dos regalos, dores, e conservas o mesmo ; se bem êstes géneros, como mais necessários, em razão da saúde, da caridade, e da grandeza (que tudo é necessário) não devem faltar nunca, como por acudir a êles se não falte a outras cousas mais necessárias.

Contudo me parece conveniente deixar cevar (digâmo-lo assim) as mulheres nestas suas curiosidades