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CARTA DE GUIA DE CASADOS

ocasiões de que o agucem em seu perigo, e nosso dano. Façamos nós. senhor N., o que podemos.

Nos cuidados, e empregos dos homens não se metam as mulheres, fiadas em que também tem como nós entendimentos, e em que a alma não é macho, nem fêmea, como alguma em seu favor alegava. Mas saibam os maridos que nem por esta taxa, que lhes ponho, é justo que a mulher sisuda deixe de dar a seu marido modestamente seu parecer ; nem deixa êle de ser obrigado a lho pedir.

Não cuide v. m. que me contradigo, ou arrependo do que tenho escrito ; declaro-me com um bom semelhante. Seja a mulher como a mão do relógio, e o marido seja o relógio. Aponte ela, e soe êle. Um mostre, outro resolva ; que andando desta maneira temperado o relógio, todos o crêem, todos o tem por oráculo. Não só se concerta a si mesmo, mas faz andar aos outros concertados. E ao contrário, se se desconcerta, também aos outros.

Oh ! como folgo de vêr uma mulher ignorar aquilo que não é razão saber ! mas que verdadeiramente o saiba. Acho grande perfeição quando erram aquelas cousas que lhes podiam pôr imperfeição, se as acertassem.

Entenda a mulher como mulher ; seja tal sua lição quando lêr ; sua prática quando praticar ; e tal o mesmo que se lhe lêr, e que se lhe praticar.

Pois comecei com os meus adágios, hei-de acabar com êles. Ouvi um dia caminhando, e não era êle menos que a um chapado recoveiro (veja v. m. que enjeitei os filósofos, para citar êstes autores) enfim ouvi-lhe, que Deus o guardasse de mula que faz him, e de mulher que sabe latim. O riso, e gôsto com que lhe escutei esta