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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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engraçada sentença me faz agora lembrar dela ; não se julgue por indecente, se é proveitosa. O ponto está em que o latim não é o que dana ; mas o que consigo traz de outros saberetes envolto aquele saber.

Já que estou ao fogo, e como desde êste logar falo a v. m., e v. m. me ouve, e me perdôa, irá outra não pior história. Confessava-se uma mulher honrada a um frade vélho, e rabujento ; e como começasse a dizer em latim a confissão, perguntou-lhe o confessor : ¿ Sabeis latim ? Disse-lhe : Padre, criei-me em mosteiro. Tornou-lhe a perguntar : ¿ Que estado tendes ? Respondeu-lhe : Casada. A que tornou : ¿ Onde está vosso marido ? Na Índia, meu Padre (disse ela). Então com agudeza repetiu o vélho: Tende mão, filha : ¿ sabeís latim, criastes-vos em mosteiro, tendes marido na Índia ? Ora ide-vos embora, e vinde cá outro dia, que vos é fôrça que tragais muito que dizer, e eu estou hoje muito de-pressa.

Tomára que as mulheres não soubessem de guerras, nem estados, nem procurassem por isso. Enfadam-me umas que se metem em eleições de governos, julgar de brigas, praticar desafios, mover demandas. Outras que se prezam de entender versos, abocanham em linguagens alheias, tratam questões de amor, e de fineza, decoram perguntas para gentes discretas, trazem memorial de motes dificultosos. Umas que dão significação às ervas, que adivinham as côres, outras que as tem de sua tenção ; outras que examinam prêgações, que lhes tomam palavras ; outras que as usam esquisitas, e falam por circunlóquios, que tem modos de gabar fóra do uso, que praticam ao som do meneio das mãos, ou do movimento dos olhos. Fóra, fóra tudo isto, que parece ficção, e nem verdadeiro, nem fingido é bem que seja.