Página:Cartas de amor ao cavaleiro de Chamilly.pdf/20

XVI
PRÓLOGO

flor de oiro e sangue que abrisse num sepulcro. Para os olhos virgens e ardentes de Mariana, êle surgia no scenário monacal, enfadonto e baço, como um príncipe de lenda, leal e forte, criado para os longos êxtasis e para as aventuras longas, avezado a galopar por noites estreladas, profundas, nupciais… Como seriam doces os segredos de amor no locutório! Como a vida tôda se transfiguraria para Mariana, num ressurgimento estranho! Era um novo Génesis!

Ela passaria então no claustro levada numa nuvem embaladora, ao mesmo tempo casta e voluptuária; sob o hábito escuro e triste da ordem, o coração desperto dir-se-ia doer-lhe de ventura; as pinturas da abóbada, os azulejos claros, teriam feiticeiras tintas, nunca por ela vistas; a arquitectura manuelina como que se espiritualizava, a mostrar-lhe, no alto, o largo céu, onde batiam asas livres; e enebriada por êsse perfume estranho e forte, que é um primeiro e grande amor, aos seus ouvidos cantaria o queixume epitalámico da água — «a ninfa pérfida, e fugitiva como a vida…»

·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·

Chamilly desvaira Mariana; pèrfidamente a enlaça em cadeias de sedução deliciosas: — «Eu era môça, era crédula, tinha-me encerrado desde criança neste convento, não vira senão gente desagradável, nunca ouvira as lisonjas que o sr. constantemente me dizia; parecia-me dever-lhe os atractivos e a beleza que me achava, e em que me fazia reparar; ouvira dizer bem de si, tôda a gente me falava em seu abôno… e o snr. tudo me fazia para me despertar amor…»

Êle teria o esmalte superficial da gente da sua classe, que andava galanteando por Versailles. Mariana era inteligente, mas ingénua e «crédula»; julgou-se since-