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CARTA DE GUIA DE CASADOS

porteiros ; com isto se defendem de inconvenientes ; como quem põe estrepes em muro baixo.

As casas dos fidalgos particulares, que não podem ter êsses porteiros, e portarias, necessitam de alguns criados vélhos, e fieis, a quem seus amos constituam vigias, e sentinelas de seu decôro. Mas neste caso não descarregar neles todo o cuidado o marido ; porque assim como na guerra (e eu o estou aqui vendo, e ouvindo nesta torre) costumamos pôr soldados de posta ; e nem com tudo isso se contenta a disciplina militar, senão que lança roldas, e sobreroldas, e sôbre elas vão depois os oficiais a vêr, e vigiar o que fazem, e o que vigiam os soldados que vigiam ; assim nem mais, nem menos deve o senhor da casa roldar, e vigiar sôbre os criados, a quem entrega o cuidado de sua honra.

Negras, e mulatas, que saem fóra, não tivera. Soem ser fecundas, e inçam uma casa de tantas manchas (a meu vêr) como delas nascem ; porque parece feia cousa andar uma tam vil licença aos olhos da senhora, e das criadas. Negrinhas, mulatinhos filhos destas, são os mesmos diabos, ladinos, e chocarreiros, por castanhas trazem, e levam recados às môças, e são delas favorecidos. Ciganas, ermitoas, adelas, mulheres que vendem garavins, e bolotas para lenços ; outras que trazem doces, e os dão mais baratos do que valem, tudo é malíssimo. Mudas é peçonha. Lavandeiras, ramalheteiras, umas que vendem, e são freguesas, e com quem as criadas em um instante armam contas de rações, que lhes trocam, mostrando que não podem viver sem elas, são gente bem escusada. Os que adivinham, os que benzem. Os chocarreiros, e mais os dos príncipes, costumam ser atrevidos pelas entradas que lhes dão sem tento. Uns trejeitadores, outros que fazem prèga-