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CARTA DE GUIA DE CASADOS

Por nenhum caso se lhes sirva o prato de leviandade alheia ; e naquelas cousas tam públicas, que se não puderem negar, pelo menos se desculpem, ou se desviem. Mostre-se sempre horror a tais sucessos ; e havendo de praticar nêles, carregue a culpa, e causa à parte do marido, e a da mulher se desculpe. Dando assim a entender, que aquele que fôr bom marido, sempre terá mulher bôa, como de ordinário sucede, e êle o espera de si, e da sua.

Algumas vezes vemos, que a casada de grandíssima honra, trata, e acompanha confiadamente com outras de não tam igual fama. Haja nisto grande tento, e o melhor será escusá-lo de todo. A reputação é espelho cristalino ; qualquer toque o quebra, qualquer bafo o empana. Elas, quanto são mais seguras em seus procedimentos, se aventuram, pode ser, mais a tratar as que o não são. O vulgo sempre cego, não sabe distinguir, ou não quere, o bom do mau. As mais vezes quem atira não dá ali aonde atira, mas dá perto do logar aonde atira. Assim os maldizentes, indo a acusar a uma pessoa, não acertam logo ; e porventura infamam as que andam junto dela.

Valho-me sempre das cousas naturais, e assombro-me certo neste caso, considerando que uma só gota de tinta que caia em uma redoma de água claríssima, basta, e sobeja para a tornar turva : e que para aclarar, e deixar limpa uma redoma de tinta, não basta uma pipa de água clara. Assin costume ser a má, e a bôa fama, que a muito bôa não pode acabar de purificar a ruim, e a ruim logo empece à muito bôa. Noutro logar disputo eu largamente : ¿ porque se nos não pega a saúde assim como se nos pega a doença ? Notável cousa por certo ! Agora me contentarei com o dizer do nosso mo-