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CARTAS DE AMOR
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Nada reservei para mim, nenhuma disposição de mim mesma…

Há momentos aos quais me parece que seria capaz de submeter-me até a servir aquela que amas…

Tanto os teus maus tratos e desprezos me tem abatido, que não ouso às vezes nem sequer cogitar que poderia, a meu parecer, demandar-te ciúmes sem desagradar-te, e que creio obrar com a maior semrazão em dirigir-te reproches…

Muitas vezes deixo-me convencer que não devo manifestar-te com insano furor, como faço, sentimentos que tu desdenhas.

Há muito tempo que um oficial espera por esta carta…

Tinha resolvido escrevê-la de modo que pudesses recebê-la sem desgôsto, mas é demasiado extravagante… é necessário terminá-la.

Ai de mim! não me sinto fôrças para tomar esta resolução. Parece-me que te falo quando te escrevo, e que me estás algum tanto mais presente…

A primeira que te escrever não será nem tam extensa, nem tam enfadonha. Poderás abri-la e lê-la fiado na minha palavra.

Verdade é que não devo falar-te de uma paixão que te é desagradável, e dela mais não te falarei.

Daqui a poucos dias fará um ano que me abandonei tôda a ti, sem alguma consideração e comedimento!

O teu amor parecia-me muito fervoroso e jàmais teria pensado, nem por sombras, que os meus favores te desgostassem, até obrigarem-te a fazer quinhentas léguas e a expôr-te a naufrágios, só para te alongares de mim.