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CARTAS DE AMOR

resta por cansadas vigílias e tantas inquietações, a escassa aparência da tua volta, a frieza da tua afeição e dos teus últimos adeuses, a tua partida fundada em frívolos pretextos, mil outras razões mais que bôas e demasiado inúteis, pareciam prometer-me um auxílio assaz certo, se me viesse a ser necessário.

Não tendo enfim a combater senão comigo, mal podia desconfiar de tôdas as minhas fraquezas, nem apreender tudo o que hoje sofro…

Oh triste de mim! Quanta compaixão mereço, visto não sermos ambos participantes das penas, mas eu só a desgraçada!…

Êste pensamento mata-me, e morro de susto de que jàmais tenhas sido extremamente sensível a todos os nossos prazeres.

Agora sim, conheço a má fé de todos os teus afectos…

Enganavas-me tôdas as vezes que me dizias ter sumo gôsto de estar só comigo…

As minhas importunações devo sòmente os teus desvêlos e transportes…

De sangue frio formaste a tenção de me abrasar, e consideraste a minha paixão como um troféu, sem que o teu coração jàmais fôsse comovido entranhavelmente…

¿Não deves tu ser bem infeliz, e ter bem pouca delicadeza, para nunca haver sabido colhêr outro fruto dos meus enlevamentos?…

¿E como é possível que com tanto amor eu não tenha podido fazer-te completamente venturoso?…

Lamento, por amor de ti sòmente, as deleitações infinitas que perdeste…

¿Porque fatalidade não quiseste desfrutá-las?…