- 99 -

Vi aberto o piano em que tocavas;
Tua morte o deixou mudo e vasio,
Como deixa o arbusto sem folhagem,
Passando pelo valle, o ardente estio.

Tornei a ver o teu sombrio quarto
Onde estava a saudade de outros dias...
Um raio illuminava o leito ao fundo
Onde, rosa de amor, já não dormias.

As cortinas abri que te amparavam
Da luz mortiça da manhã, querida,
Para que um raio depozesse um toque
De prazer em tua fronte adormecida.

Era alli que, depois da meia noite,
Tanto amor nós sonhavamos outr'ora;
E onde até o raiar da madrugada
Ouviamos bater — hora por hora!

Então olhavas tu a chamma activa
Correr alli no lar, como a serpente;
É que o somno fugia de teus olhos
Onde já te queimava a febre ardente.