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XXXVIII


AS TRES LEBRES


Havia n'outros tempos um rei que tinha uma filha, que dizia que só casaria com o homem que fosse capaz de inventar uma adivinhação que ella não adivinhasse. Correram ao palacio muitos principes e fidalgos, mas todos se foram sem que as suas adivinhações ficassem por adivinhar. Foi-se passando muito tempo e estas noticias corriam por muitas partes, até que chegaram aos ouvidos de certo aldeão muito esperto e elle ao saber isto dispoz-se logo a partir para o palacio, sem saber ainda o que havia de perguntar á princeza. Montou a cavallo, sem mais bagagem do que o seu livro de orações, e sem farnel de qualidade alguma. Durante o caminho teve fome, e sede, mas não havia ali em tal descampado nem comer, nem agua; então o aldeão, olhando, viu morto no chão um coelho, tomou-o, e depois de o esfolar, fez uma fogueira do seu livro de orações, assou o coelho, e comeu-o. A sede, era porém, cada vez maior; elle então fez correr muito o cavallo até que o suor lhe caia em bica; apanhou-o no seu chapeu e bebeu-o, e depois continuou a sua viagem. Chegado ao palacio viu muitos fidalgos, que perguntavam adivinhações, á princeza, e ella tudo adivinhava. Então elle depois de todos terem fallado levantou-se e disse:


«Comi carne sem ser caçada
Em palavras de Deus assada;
Bebi agua que não foi do ceo caida,
Nem tambem na terra nascida.


Adivinhae agora, princeza, se de tanto sois capaz.»