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XLVII


O PREÇO DOS OVOS


Era uma vez um rapaz que foi embarcar não sei agora para onde; chegou a uma estalagem; perguntou se havia que comer; a dona da estalagem disse-lhe que não tinha senão ovos cozidos e elle respondeu-lhe: «Pois ponha cá um vintem d'elles.» Comeu os ovos; deu-lhe um pinto para ella trocar; ella disse-lhe que não tinha troco: «Quando você por aqui passar me pagará.» O homem embarcou. Dava elle sempre uma esmola na terra para onde foi pelas almas do purgatorio e se via o diabo pintado ao pé das almas dizia: «Pelas almas que me ajudem e tu diabo que nem me ajudes, nem me estorves.» Passados alguns annos voltou elle á terra e passou aonde a estalajadeira e disse-lhe: «Oh mulher! vou-lhe pagar uma divida que lhe devo.» E ella disse: «Que divida é?» Respondeu: «Quando eu fui que embarquei, comprei-lhe um vintem d'ovos e não lh'os paguei.» E ella disse: «Ah! você cuida que me paga com um vintem os ovos? Eu vou-lhe mandar fazer a conta. Seis ovos eram seis gallinhas que punham ovos…» e mandou-lhe assim fazer a conta que botava a uns poucos de centos de mil réis. O homem não trazia tanto dinheiro; não trazia com que lhe pagar: foi para a cadeia. No dia em que haviam de lhe dar a sentença appareceu-lhe um homem ás grades da cadeia e disse-lhe: «Então tu não tens quem te acuda? Olha que hoje ás tantas horas é que tu és sentenciado; mas eu lá appareço para te defender.» Assim fez; e depois chegou lá ao tribunal muito sujo e ensarrafuscado da cara e o juiz disse-lhe: «Você não se podia lavar antes d'aqui chegar?» E elle disse: «Saiba V. S.ª que eu estive a assar umas poucas de