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XIV

429-432. No começo do seculo XII, Somadeva Bhatta, de Cachemira, incluia uma variante d'esse conto na sua collecção intitulado Katha sarit sagara, redigida em sanskrito, na sloka epica; póde ler-se na traducção de Hermann Brockhaus, vol. II, pag. 62, ss.

Este simples exemplo bastará para provar que as historias da carochinha são na essencia tão graves como as lendas maravilhosas do Flos sanctorum e da Legenda aurea.

Tencionamos publicar um trabalho consagrado aos contos populares e particularmente aos contos populares portuguezes, estudados nas suas multiplices relações, em que tentaremos elucidar as questões acima ennunciadas; contentamo-nos por agora com estas simples indicações, sufficientes, cremos, para mostrar que não é para gastar um tempo ocioso que nos démos ao trabalho de colligir estas tradições, vencendo com paciencia e ás vezes com dinheiro a desconfiança de alguma das pessoas que nol-as dictaram. Examinaremos apenas d'um modo geral um problema interessante — o da antiguidade dos contos populares em Portugal.

Os contos que temos colligido não teriam importancia alguma para a sciencia se por ventura a sua introducção em Portugal fosse recente e tivessem vindo pelo canal da litteratura. A traducção das Mil e uma noites em portuguez, assim como a de alguns contos de Perrault, madame d'Aulnoy, madame de Beaumont, a possibilidade de um conto lido n'alguma collecção recente extrangeira ser narrada por a pessoa a que leu e chegar assim até á reproducção popular reclamam naturalmente um exame com relação á antiguidade d'esses contos na tradição popular portugueza, Não tractaremos aqui esta questão senão d'um modo geral, limitando-nos a mostrar que ella póde ser resolvida de maneira que, pelo menos em quasi todos os casos, não deixe margem a duvidas. Eis os principaes argumentos que provam que os contos que publicamos e os que tencionamos ainda