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varam gado para casa dos compadres, de sorte que elles já não cabiam em si de contentes. Chegado o dia da festa lá foi o lobo e a raposa assistirem á funcção, e quando chegaram, viram que os compadres tinham uma grande caldeira d’agua a ferver e um espeto mettido no fogo. O lobo perguntou: — «Ó comadre, para que é esse espeto? — «É para assar as galinhas.»

Palavras não eram ditas, o homem a pegar na caldeira e a deitar a agua a ferver em cima do lobo e a mulher a metter o espeto pelos olhos da raposa. Escusado é dizer que ao lobo lhe caiu a pelle e a raposa ficou cega.

Passara-se já bastante tempo e os compadres nem já se lembravam do tinham feito, quando o homem, andando um dia no mato a apanhar lenha, viu correr para elle o compadre lobo e, receando que elle o matasse, subiu para cima de uma arvore. Então o lobo disse-lhe de baixo: — «Tu pensas que me escapas! espera que eu te ensino.» E dito isto começou a chamar por os outros lobos e logo vieram muitos; elle então disse-lhes: — «É preciso matar aquelle homem que ali está em cima e para lá chegar é preciso que se ponham todos em cima uns dos outros; eu ficarei por baixo, porque tenho mais força.»

Já os lobos, postos uns sobre os outros, estavam quasi a chegar ao compadre quando elle gritou com toda a força: — «Ó Maria, traz cá a caldeira d’agua a ferver.» O lobo logo que isto ouviu, pernas para que te quero[1] e os outros que estavam sobre elle cairam todos no chão; depois desesperados correram sobre o lobo que tinha fugido e mataram-no.

O compadre voltou para casa e contou tudo á mulher e nunca mais quizeram voltar ao mato.

(Coimbra)


  1. Modo popular d’exprimir que alguem deitou a correr.