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no meio d’elles, perguntou-lhe a causa d’aquella desordem, ao que elles responderam: — «Nós somos irmãos e acabamos de perder nosso pae, que nos deixou por herança estas botas, esta manta e esta chave, e a contenda é porque todos queremos as botas.»

O filho do pescador perguntou-lhe para que serviam aquellas cousas, ao que elles responderam que as botas levavam quem as possuisse aonde desejasse ir; a manta, que em uma pessoa se mettendo debaixo d’ella, ficava invisivel; a chave, que servia em todas as fechaduras.

O rapaz propoz a venda d’aquelles objectos, ao que eles annuiram, recebendo logo muito dinheiro e terminando assim a contenda. O rapaz calçou logo as botas e disse: — «Botas, levae-me a casa da minha irmã mais velha.»

Dito e feito; atravessou o mar sem se molhar e viu um riquissimo palacio e logo lhe appareceu a irmã, que admirada de o ver lhe perguntou quem elle era e como ali tinha ido. — «Sou vosso irmão» — lhe respondeu elle. «Mas eu não tinha irmãos.» — «Não tinhas irmão quando nosso pae te vendeu, pois eu nasci depois d’isso.»

Ella então mostrou-se muito contente de o ver, mas afflicta ao mesmo tempo e disse-lhe: — «Eu sou esposa do rei dos peixes e se elle quando vier aqui te encontrar é capaz de te matar.» — «Não te dê cuidado isso, minha irmã, pois eu cubro-me com esta manta e ninguem me verá.»

Chegado que foi o rei dos peixes, o qual entrou fazendo grande barulho, a rapariga contou-lhe que estivera ali um seu irmão, mas que ella o mandára esconder, com receio de que elle o matasse. Então o rei dos peixes disse-lhe que muito desejava conhecer o rapaz e que não lhe faria mal.

Appareceu o rapaz e o rei depois disse-lhe: — «Podes retirar-te e se te vires n’alguma afflicção diz: valha-me aqui o rei dos peixes.» Saiu o rapaz da casa da irmã e disse: — «Botas, levae-me a casa de minha irmã do meio.»