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tambem as arranjava para a filha. A menina contou o succedido, mas trocando tudo, que tinha desarrumado a casa, quebrado a louça, e espancado a cadellinha. A madrasta mandou logo a filha, que fez tudo á risca como a mãe lhe dissera timtim por timtim. Quando as fadas voltaram, perguntaram á cadellinha o que tinha succedido; ella respondeu:

Ão, ão, ão,

Por detraz da porta está

Quem me deu com um bordão.

As fadas deram com a rapariga, e logo a fadaram que fosse a cara mais feia que houvesse no mundo; que quando fallasse gaguejasse muito, e que fosse corcovada. A mãe ficou desesperada quando isto viu, e d’ali em diante tratou ainda mais mal a enteada.

Houve por aquelle tempo uma grande festa dos annos do príncipe; no primeiro dia foi a madrasta ao arraial com a filha, e não quiz levar comsigo a enteada que ficou a fazer o jantar. A menina pediu á varinha de condão que lhe desse um vestido da côr do céo e todo recamado com estrellas de ouro, e foi para a festa; todos estavam pasmados e o principe não tirava os olhos d’ella. Quando acabou a festa, a madrasta veiu já achal-a em casa a fazer o jantar, e não se cançava de gabar o vestido que vira. No segundo dia, foi a menina á festa, com o poder da varinha de condão, e com um vestido de campo vêrde semeado de flôres. No terceiro dia, quando a menina viu que a madrasta já tinha ido para casa, partiu a toda a pressa, e caiu-lhe do pé um sapatinho de setim. O principe assim que viu aquillo correu a apanhar o sapatinho, e ficou pasmado com a sua pequenez. Mandou deitar um pregão, que a mulher a quem pertencesse o sapatinho de setim seria sua desposada. Correram todas as casas e a ninguem servia o sapatinho. Foi por fim á casa da mu-