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Que tivesse as mais raras prendas de mãos.

Assim que o pequeno acordou, pozeram-se outra vez a caminho, e foram dar a casa de uma velha muito feia, que os recolheu. Passaram-se annos, e um dia que o rapaz quiz dinheiro, a irmã penteou-se, e elle levou o ouro para vender na cidade. O ourives que lh’o comprou ficou desconfiado, perguntou ao rapaz como é que arranjava aquelle ouro, mas não quiz acreditar tudo quanto elle disse. Foi dar parte ao rei, que o mandou prender até vir a irmã á côrte para se apurar a verdade.

A velha, que tinha ficado com a menina dos cabellos de ouro, resolveu matal-a á fome; já estava havia dois dias sem comer, e quando lhe pediu alguma coisinha a velha disse-lhe que só se ella lhe deixasse tirar um olho. Ella deixou para não morrer. Depois de outros dois dias, estava já a menina a cahir com sêde, e pediu á velha uma pinga d’agua, e ella disse — que só se lhe deixasse tirar o outro olho. Até que ficou ceguinha. Foi então que veiu ordem do rei para que a levassem á côrte; a velha pensou que era melhor deitar a menina ao mar, e levar uma filha que tinha em logar d’ella. O rapaz que estava preso n’uma torre que tinha uma fresta para o mar, viu andarem boiando na agua umas roupinhas, que a maré trouxe para terra; botou-lhe uns lençoes torcidos para que ella subisse.

A velha tinha chegado á côrte com a filha, e se ella não botasse ouro dos cabellos, o rapaz iria a matar. Quando a menina soube isto disse ao irmão — que lhe arranjasse do carcereiro um papel fino para fazer flôres. O carcereiro trouxe o papel, e a menina assim mesmo cega fez um ramo muito lindo cheio de perolas e ouro que lhe cahiam dos cabellos. O irmão pediu ao carcereiro para lhe mandar vender aquelle ramo, não por dinheiro, mas sim por um par de olhos. Apregoou-se o ramo, todos o queriam, mas ninguem se atrevia a dar os olhos da cara por elle; só a velha quando ouviu o pregão é que o com-